segunda-feira, 26 de maio de 2008

Entrevista


Passou por cenários de conflito como: Cabinda, Guiné, Timor, Zaire, Iraque....
Depois de rever horas incalculáveis de imagens em bruto e trocar algumas impressões com os seus repórteres de imagem, o jornalista da RTP Luis Castro, reuniu alguns dos momentos marcantes no livro "Repórter de Guerra", editado pela Oficina do Livro.
Este livro foi escrito " à medida de como senti as experiências, não escolhi palavras bonitas, é verdadeiro e meramente factual", afirma Luis Castro.



Como surge a ideia de transpor para o papel a sua experiência enquanto repórter de guerra?

Inicialmente, a ideia era de guardar essas recordações para uma espécie de “memória futura”, uma vez que aos quarenta anos ainda é cedo para se escrever um livro de memórias.
Um dia, a Margarida Rebelo Pinto – uma das minhas melhores amigas – pediu-me o manuscrito para ler. Renitente, acedi. Voltou uns dias mais tarde e conseguiu convencer-me, dessa vez para levar aquelas cerca de setecentas páginas para a editora “Oficina do Livro”, onde ela lança os seus livros.
Semanas depois recebi um telefonema do editor, o Vasco, convidando-me a editar. Percebi que várias pessoas já tinham lido os meus relatos e que tinham gostado, acabando por mudar de ideias. O problema depois foi resumir para menos de quatrocentas páginas. Tive que cortar muitas partes, reduzir outras e deixar de fora o Zaire e o Congo, de resto, as primeiras guerras e que cobri e que muito me marcaram. Estão guardadas para o Repórter de Guerra II.

Diz que o seu livro é “meramente factual”, mas ao longo da leitura é-nos transmitida adrenalina e muitas vezes angústia, como foi reviver todos os momentos passados em plena guerra, para transpor para o papel?


Não foi fácil. Foi como que desarrumar as minhas prateleiras. Todas essas memórias estavam devidamente guardadas para preservar a minha sanidade mental, embora sempre à mão de a elas recorrer a qualquer momento, como acontecia e acontece com grande frequência.
Passei a andar mais irritadiço, inquieto e a dormir mal.
Por outro lado, foi como que exorcizar o que me ia na alma, partilhando as minhas experiências com todos os milhares de pessoas que compraram o livro.
O livro foi escrito à medida de como senti essas experiências. Não escolhi palavras bonitas. É verdadeiro e meramente factual.

Foi difícil escolher a melhor maneira para manter a barreira entre o que se estava a passar ao seu redor e o que estava a sentir?

É impossível separar. Temos que viver o que se está a passar para melhor contar. Não devemos olhar os acontecimentos da janela do Hotel. Temos que estar lá. Tocar; sentir; chorar, se for preciso; gritar se nos apetecer; denunciar os horrores porque os vimos de perto e não apenas pelos relatos de terceiros.
Depois, há que manter a imparcialidade na hora de editar a reportagem. Mas não devemos ter medo de escolher o lado da barricada. E esse lado é o dos mais fracos, dos indefesos, daqueles que nada podem e nada têm.

Como reagiu à notícia de que iria para um cenário de guerra?


Bem. Muito bem, mesmo. Era o que eu queria. Podemos não ganhar muito dinheiro (pouco mais de cem euros/dia para as refeições), mas a oportunidade de estarmos onde se faz História e de sermos testemunhas activas desses momentos e a honra de sermos os olhos de quem está em casa, não tem preço.

Em algum momento desejou estar bem longe daquele cenário?

Apenas uma vez, quando fui preso e estava a ser agredido e humilhado pelos americanos em pleno deserto iraquiano. Ao fim desses três dias, quando fui libertado fiquei ainda com mais vontade de voltar a esses cenários.
Já fui preso quatro vezes (duas no Zaire, uma na Guiné e uma no Iraque); já fui interrogado de arma apontada à cabeça na Guiné; já me encostaram o cano de uma kalashnikov à barriga, fui expulso de Angola e de Cabinda; tive que fugir porque havia uma ordem para me matar em Bissau, mas nunca desisti.
A verdade é que os heróis estão mortos e mente quem disser que não tem medo, mas nunca voltarei as costas.

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